O Brilho do Sol: A Fusão Nuclear
- Pedro
- 6 de mar. de 2021
- 6 min de leitura
Você gosta de dias ensolarados? É invadido por um sentimento de paz com o verde da natureza? É um usuário da energia elétrica? Não sei quanto às duas primeiras perguntas, mas quanto a terceira tenho certeza de que sim. Contudo, o elo em comum entre elas é a fonte de energia: o Sol. Façamos uma atividade mental. Pause e tente definir o que são estrelas.
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Muito bem! Não há uma resposta definitiva, mas em geral podemos definir estrelas como as usinas de energia mais numerosas do universo. Em termos comparativos, o potencial energético de um planeta é de 10^(16) W, enquanto que o de uma estrela é de 10^(26) W (obviamente essas quantias variam com os planetas e estrelas considerados.). Além disso, a energia de uma estrela é obtida de forma muito mais fácil do que a de um planeta (placas solares são mais simples do que usinas geotérmicas, por exemplo). Mas o que concede as estrelas este potencial energético tão incrível? A resposta está no coração de cada uma delas, em um processo chamado fusão nuclear.
Como o próprio nome indica, fusão nuclear é o processo de fusão (junção) de núcleos atômicos, semelhante à Dragon Ball. No desenho, dois personagens se unem para se tornar um mais forte. Nas estrelas, os átomos se unem para se tornar um mais pesado. Esse processo gera uma grande liberação de energia, a qual eventualmente escapa do interior do Sol e nos atinge na Terra, trazendo o calor para nossas tardes de sábado, vida à natureza, e a energia para nossas casas (por meio das placas solares mencionadas). A fim de explorar essa rica fonte energética, cientistas e engenheiros vêm tentando reproduzir a o processo de fusão nuclear na Terra, em dispositivos experimentais chamados Tokamak (veja a foto 2).

Foto 2
Entendemos o que é a fusão nuclear, agora entenderemos como ocorre a versão mais simples: a fusão do hidrogênio. O principal processo da junção de núcleos de hidrogênio é a chamada cadeia próton-próton. Observe a foto 3.

Foto 3
Na primeira etapa, dois núcleos de hidrogênio (essencialmente dois prótons) se fundem, gerando um neutrino, um pósitron (antielétron) e um deutério (núcleo de hidrogênio com adição de um nêutron). Observe que o produto da reação não foi simplesmente um núcleo com dois prótons, contudo, a conservação de carga elétrica foi obedecida (a carga elétrica do próton é do pósitron é +1, e o neutrino e o nêutron não possuem carga elétrica). A segunda etapa é marcada pela introdução de um próton externo, o qual funde-se com o núcleo de deutério, produzindo energia (na forma de fóton) e um núcleo de hélio 3. Note que hélio 3 não é o mesmo que o elemento hélio, uma vez que o primeiro possui dois prótons e um nêutron e o segundo possui dois prótons e dois nêutrons. Como obter esse nêutron faltante? Acontece que o processo das etapas um e dois ocorre de forma exaustiva e constante. Desse modo, há vários hélio 3 presentes no núcleo da estrela, os quais são fundidos para a produção do elemento hélio, somando o nêutron faltante e liberando os dois prótons sobressalentes no processo.
Outra via para a fusão do hidrogênio ocorre conforme ilustrado pela foto 3. Nela, um núcleo de deutério se funde com um núcleo de trítio (sim, o mesmo que o Dr. Octopus almejava em homem aranha 2, sendo este um hidrogênio acrescido de dois nêutrons). O produto da fusão é um núcleo instável de dois prótons e três nêutrons, o qual decai em um hélio e um nêutron, liberando energia na forma de fotão no processo. Há ainda reações mais complexas, no chamado ciclo CNO (veja a foto 4), que envolvem elementos como o carbono, nitrogênio e oxigênio, os quais agem como catalizadores da fusão nuclear (eles facilitam o processo de fusão). Contudo, independentemente do caminho para a fusão, as reações termonucleares são extremamente dependentes da alta temperatura das estrelas.

Foto 4
Vamos agora nos atentar a energia produzida nos processos de fusão, a qual recebemos na Terra. Os fótons mencionados nos parágrafos anteriores vêm da energia de ligação. De forma simples, a energia de ligação é relacionada com a força nuclear forte, ou seja, é uma energia correspondente à “cola” que une os prótons e nêutrons nos núcleos atômicos. Veja agora a foto 5.

Foto 5
O gráfico representado mostra a energia de ligação (por nucleons (prótons e elétrons)) em função da massa atômica (massa do átomo). Podemos ver que a energia de ligação é crescente até o ferro, sendo este o pico do gráfico. Os elementos mais pesados que o ferro começam a ter a energia de ligação diminuída, ou seja, os núcleos passam a ser “menos grudados.” Essa configuração faz com que os elementos até o pico sejam adequados para o processo de fusão nuclear (pois liberam energia) enquanto que os mais pesados sejam adequados para a fissão nuclear (já que estes propiciam o “desmembramento” do núcleo). Talvez você esteja se perguntando “tudo bem, sabemos como os átomos até o ferro são criados, mas como explicar a origem dos elementos mais pesados?” A energia de ligação se torna insuficiente para a formação de átomos mais pesados que o ferro. A energia “extra” que supriria o gap energético vem das supernovas. Quando as estrelas explodem, elas liberam uma grande quantidade de energia, a qual é parcialmente utilizada para a fusão de elementos mais pesados.
Vimos como as reações termonucleares ocorrem e como ocorre a geração de energia para fora da estrela. Nos atentaremos agora a uma óptica mais física do processo. Consideremos a fusão de dois núcleos de hidrogênio (essencialmente dois prótons). Temos duas partículas de mesma carga, positiva, implicando que elas devem se repelir. Podemos enxergar A força Coulombiana (de repulsão) como uma barreira energética a qual não pode ser ultrapassada por uma partícula de mesma carga e com energia inferior à própria barreira (veja a foto 6).

Foto 6
Caso tivéssemos um olhar clássico, poderíamos pensar na barreira como uma rampa dupla na qual soltamos uma bolinha; caso não fosse inserida nenhuma energia adicional, a bolinha não teria energia suficiente para ultrapassar a energia inicial. Contudo, átomos obedecem ao regime quântico, não o clássico. Sendo assim, eles estão suscetíveis à fenômenos quânticos, tal como o chamado “tunelamento quântico.” De modo simples, o tunelamento permite que uma partícula atravesse (tunele) a barreira de potencial, mesmo sem ter a energia para tal (veja a foto 7).

Foto 7
Isso quer dizer que, mesmo com a força de repulsão, há uma chance de que dois núcleos de hidrogênio (dois prótons) tunelem a barreira de potencial, fundindo-se. É valido ressaltar que, quanto mais alta for a barreira, menor é a chance de tunelamento, explicando assim o aumento na dificuldade da fusão de elementos mais pesados que o hidrogênio (veja a foto 8).

Foto 8
Finalmente, podemos discutir sobre as variadas composições das estrelas. O Sol, por exemplo, é quimicamente muito diferente da Beta Centauri. A principal razão para tal motivo é o tamanho das estrelas, uma vez que a luminosidade é relacionada à temperatura conforme L = 4 π R^(2) σ T^(4) (quanto maior o raio e temperatura, mais luminosa a estrela é). Com essa observação, podemos analisar um diagrama (HR) (veja a foto 9) e verificar que, conforme a luminosidade aumenta, o tamanho e temperatura também aumentam. A Beta Centauri, por exemplo, é cerca de 630 vezes maior que o Sol, sendo quase quatro vezes mais quente e 15.500 vezes mais luminosa. A temperatura vantajosa das estrelas grandes implica em átomos mais energizados (dada a maior energia térmica), o que facilita os processos de tunelamento quântico, inclusive para a fusão de elementos mais pesados que o hidrogênio. Esse é o motivo de estrelas mais leves terem predominância química de hidrogênio e hélio enquanto que estrelas mais pesadas apresentam relevância de carbono, oxigênio, neônio...

Foto 9
Há uma última questão de curiosidade notável. Dada a imprevisibilidade do tunelamento quântico, as taxas de fusão nuclear são flutuantes (se alteram o tempo todo). Vamos analisar um cenário no qual a taxa de fusão nuclear é aumentada. Mais fusão implica em mais liberação de energia, o que implica em um aumento de temperatura, o que induz o núcleo a expandir. Mas sabemos que as estrelas não se expandem indefinidamente. A consequência da expansão do núcleo é a diluição das partículas (os átomos são afastados uns dos outros), o que dificulta a fusão nuclear, deixando de produzir energia, o que diminui a temperatura da estrela e a faz “encolher” novamente até que o ciclo se reinicie. Esse processo de feedback é chamado “mecanismo auto-regulatório.” Resumindo: o mecanismo auto-regulatório impede as estrelas de expandirem ao “infinito e além.”
Concluímos que as estrelas são mais do que simples pontinhos no céu noturno (ou um "pontão" no céu diurno!). Elas são fontes de energia, fornalhas de matéria cósmica, fontes primordiais para a vida...
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