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Estruturas de larga escala

  • Foto do escritor: Pedro
    Pedro
  • 27 de mar. de 2021
  • 6 min de leitura

Você certamente já deve ter tentado encontrar sua casa no Google Maps. Você abre o aplicativo e se depara com a maior escala, a Terra. Você começa a dar um “zoom in” (aproximação), passando pelo continente, país, estado, cidade, bairro e rua, chegando em sua casa. Imagine agora que nosso ponto de partida é a Terra. Qual seria a escala mais grandiosa que poderíamos alcançar? Saímos do sistema solar e transcorremos para além da Via-Láctea (nossa galáxia). Estamos tão afastados que podemos ver a Via-Láctea, Andrômeda, e outras dezenas de galáxias menores, compondo o chamado “grupo local” (veja a foto 1).


Foto 1


Continuando a ampliação, chegamos no aglomerado de Virgem, com volume compreendendo quase 2.000 galáxias (incluindo o grupo local/veja a foto 2).


Foto 2


Seguindo chegamos ao Superaglomerado Laniakea, o qual contém o aglomerado de Virgem, compreendendo cerca de 100.000 galáxias (veja a foto 3).


Foto 3


Agora um fato surpreendente: estima-se que o universo observável tenha 10 milhões de superaglomerados. Amplificando (muito!) nosso “zoom out” chegamos em nossa escala final, na qual podemos visualizar superaglomerados como linhas tão finas quanto linhas de costura (veja a foto 4). Repare bem na estrutura da foto 4. Ela parece uma teia de aranha, não? Em nossa última escala, as bilhões de galáxias arranjam-se em filamentos, tecendo a chamada “rede cósmica”.


A rede cósmica engloba as chamadas “estruturas de larga escala” sendo, composta pelos filamentos (que por sua vez são compostos por galáxias e superaglomerados) e por “grandes vazios” (regiões “escuras na foto 4).


Foto 4



Estima-se que cerca de 40% de todas as galáxias estejam contidas em filamentos ao passo que as outras 60% estão espalhadas pontualmente pelo vazio. Sabemos que essas estruturas são enormes, mas quão grande? Filamentos possuem comprimentos típicos de 200 a 500 milhões de anos-luz (~50 a 80 megaparsecs); tenha em mente que a Via Láctea possui diâmetro de 105.700 anos luz, ou seja, um filamento pode ser até 4.730 vezes mais comprido que a nossa galáxia.


É muito mais difícil juntar os elementos de um quebra cabeças de 5.000 peças do que um de 50. De forma semelhante, é muito mais difícil unir superaglomerados galácticos do que simples sistemas planetários. Logo uma pergunta surge: quem possibilitou a formação dessas estruturas? Teria sido a gravidade? Talvez a mecânica quântica? Ambas. Imagine um cenário logo após o Big Bang, no qual toda a massa do universo estava concentrada em um volume infinitesimal, que ,a cada milésimo de segundo, crescia exponencialmente. Desse modo, qualquer pequena alteração seria amplificada conforme a expansão do universo (em uma analogia, risque e infle uma bexiga; após inflar, o risco irá torna-se mais aparente). No caso do universo recém-nascido, as “pequenas alterações” seriam atribuídas às flutuações quânticas de vácuo (conforme discutido em nosso artigo “Flutuações quânticas, efeito Casimir e as equações de Paul Dirac”). De modo resumido, flutuações quânticas de vácuo são aparições momentâneas de partículas em pleno vácuo (a partícula surge “do nada” e, em um pequeno intervalo de tempo, desaparece). Pelo fato do universo imediatamente após o Big Bang ter “tamanho quântico”, ele estava suscetível à fenômenos deste regime, incluindo as flutuações de vácuo. Essas flutuações criam pequenas oscilações de densidade (já que partículas com massa estão sendo introduzidas, mesmo que temporariamente) as quais acabam por alterar a distribuição de matéria pelo volume infinitesimal do universo (algumas partes ficam mais densas/com mais matéria enquanto outras ficam menos densas/com menos matéria). A sucinta alteração na distribuição de matéria é então amplificada nos próximos segundos pós Big Bang, semelhante ao risco na bexiga.



Os cientistas apontam que um fator predominante para a formação das estruturas de larga escala foi a hierarquia de aglomerados. Galáxias (dentre outras estruturas) constantemente colidem, formando uma entidade maior como ilustrado na foto 5.


Foto 5



Galáxias podem unir-se de modo a formarem grupos galácticos (como o grupo local), os quais podem unir-se a outros grupos de modo a formarem aglomerados, seguidos por superaglomerados e, finalmente, as estruturas de larga escala.

Em conjunto às flutuações de vácuo e a hierarquia de aglomerados, a matéria escura desempenhou um papel fundamental para a formação das estruturas de larga escala. A matéria escura compõe cerca de 27% do universo, ao passo que a matéria bariônica (composta por elétrons, prótons e nêutrons/"matéria comum") compõe somente 5% do universo. Logo, é evidente que a influência gravitacional da matéria escura é muito mais expressiva do que a da própria matéria bariônica. A matéria escura teria agido como uma espécie de “cola”, atraindo a matéria bariônica, de modo a formar as estruturas de filamentos. Observe novamente a foto 4

Foto 4


Nela é possível observar as estruturas de filamento, locais onde certamente há uma expressiva presença de matéria escura e bariônica. Também verificamos a presença dos grandes vazios, regiões praticamente sem matéria, e, consequentemente, com fraco domínio gravitacional.



Entendemos um pouco sobre a composição e formação das estruturas de larga escala. Contudo, como os cientistas descobriram que os filamentos cósmicos possuem estruturas, bem, filamentares? A resposta não é tão simples, uma vez que, do mesmo modo que não podemos nos enxergar sem um espelho, não podemos observar filamentos diretamente. Imagine que tivéssemos posse de um telescópio ultra potente. Mesmo com um poder de ampliação enorme, a estrutura filamentar não seria 100% evidente. A fim de responder essa questão, modelos cosmológicos estatísticos tiveram de ser desenvolvidos. Vamos começar entendo como modelos estatísticos funcionam. O cômodo no qual você está lendo este artigo certamente está coberto por moléculas do ar. Pense em como essas moléculas estão distribuídas pelo espaço. A distribuição tem de ser praticamente uniforme (caso contrário haveriam partes da sala sem ar para você respirar!*).

*Note que esse exemplo foi intencionalmente exagerado

Além disso, a distribuição é aleatória (as moléculas do ar não são igualmente espaçadas); veja a foto 6.


Foto 6


A distribuição de moléculas de ar é um problema estatístico. Para compreender o formato das estruturas de larga escala, cientistas tiveram de considerar como as galáxias (assim como as moléculas de ar) estão distribuídas pelo espaço. Porém, diferentemente do ar, que tem densidade constante pois é uniformemente distribuído, a distribuição das galáxias implica em uma densidade variante, dado que elas não são uniformemente distribuídas pelo espaço (há regiões com maior concentração de galáxias, regiões com concentração intermediária e regiões vazias/vácuos). Veja a foto 7.


Foto 7



Nela, podemos verificar que será muito mais fácil encontrar galáxias na região A (definida por v1+v2) do que na B, implicando em um excesso de probabilidade de se encontrar uma galáxia em A. Seria como pegar cinco cartas reis de copas e escolher dentre quatro delas. A probabilidade de se obter um rei de copas é, em tese, de 5/4 (há excesso de probabilidade). O modelo mais empregado para o estudo da distribuição de galáxias, o qual considera o efeito de excesso de probabilidade, é o chamado “Modelo de Bisous”. Por conta da alta complexidade, aqui resumiremos (e muito!) o modelo de Bisous. O modelo apresenta uma função , chamada de “2 point correlation function”, destinada a computar o excesso de probabilidade mencionado. Com a função, podemos calcular a probabilidade de se encontrar uma galáxia, conforme ilustra as fotos 8 e 9.


Foto 8

Foto 9


Com os cálculos estabelecidos, o modelo de Bisous gera os chamados “Mapas de visita” (veja a foto 10), a partir dos quais é possível extrair a espinha (formato) dos filamentos.

Foto 10 (obtida do artigo cujo link encontra-se abaixo)

*Note que uma tradução simplificada para a legenda em inglês foi inserida na imagem



Sabemos agora como é desenvolvido o modelo para a concepção das estruturas de larga escala, mas como os dados aplicados no método de Bisous são obtidos? Como o modelo trata da distribuição de galáxias, precisamos escanear o céu em busca do maior número de galáxias possível. Para tal, utilizam-se pesquisas em infravermelho por dois principais motivos: o primeiro é que essa faixa de radiação chega praticamente intacta na Terra, não sendo absorvida por poeira galáctica, e o segundo é porque o infravermelho também indica o grau de afastamento das galáxias. Uma das pesquisas em infravermelho mais relevantes para o estudo das estruturas de larga escala é o Australian-Led 2 degree Field (2dF). A 2dF cobriu um volume de , cerca de . Esse volume imenso foi compactado em duas fatias, conforme mostra a foto 11.


Foto 11

*Note que tanto o "Redshift" quanto "Billion Lightyears" são escalas de tempo



Note que a imagem gerada pela pesquisa 2dF já sugere estruturas filamentares, mas, como dito, o mapa de visitas ilustra o formato com muito mais segurança.

Vimos que a matéria escura é um fator crucial para a formação de estruturas de larga escala; por outro lado, a energia escura* é um fator contrário. Enquanto a matéria escura usa sua influência gravitacional para estruturar os filamentos, a energia escura* induz a expansão, enfraquecendo a “cola” gravitacional da matéria escura.

*A energia escura compõe 68% do universo, sendo uma forma de energia que contribui para a expansão do universo, dada sua pressão negativa.


O estudo das estruturas de larga escala nos traz o limite para nossa perspectiva cósmica, oferece insights sobre o início e evolução do universo. Além disso, os filamentos são provas de que até mesmo o infinito cosmos já fora um dia pequeno.

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