Anãs Brancas e a morte térmica do universo
- Pedro
- 15 de fev. de 2021
- 5 min de leitura
Atualizado: 22 de fev. de 2021
Nada é eterno. Nem mesmo o universo.
Com seus joviais 13.8 bilhões de anos, o Cosmos mantém-se ativo com pulsares, quasares, interações gravitacionais, supernovas, síntese nuclear, dentre diversos outros processos. Conforme o universo envelhece, algumas estrelas vão lentamente perdendo seus brilhos enquanto outras terminam suas vidas como implacáveis buracos negros. Ademais, a expansão do universo faz com que as galáxias se distanciem, o que enfraquece as interações gravitacionais. Isso quer dizer que em um futuro muito, mas muito distante o universo será senão um horizonte infinito dominado pelo frio e escuridão, na chamada “morte térmica”. Mas não se assuste, teremos muito tempo para aproveitar o calor das estrelas, vários trilhões de anos.
Mas e se quisermos nos contextualizar sobre o cenário neste futuro tão distante? Quais seriam os últimos corpos celestes “de pé”? Quando as luzes cósmicas começarem a “apagar,” 97% de todas as estrelas do universo, incluindo o que restar do nosso Sol, serão as últimas iluminarias. O Sol é uma estrela de massa relativamente pequena e por isso não irá morrer em um estrondo de uma supernova. Ao invés disso, ele irá se tornar uma estrela gigante vermelha, aumentando seu tamanho de forma muito expressiva. Quando o Sol não for mais capaz de fundir elementos (fusão nuclear/nucleossíntese estelar), ele irá expelir suas camadas mais externas Cosmos à fora. Essa “poeira” estelar recebe o nome de nebulosa planetária, a exemplo da magnífica nebulosa Helix (veja foto 2). O que restará do Sol será seu núcleo composto por materiais mais pesados como carbono e oxigênio. Esse núcleo será aproximadamente um milhão de vezes menor do que o tamanho original do Sol, mas irá reter aproximadamente metade da massa solar original. Isso implica em uma densidade da ordem de 10^(24) kg/m^(3). Para ilustrar essa densidade, 10^(24) kg/m^(3) seria como ter dez quintilhões de baleias azuis compactadas em um espaço comparado ao que você está ocupando sentado.

Foto 2
Temos agora o imaginário de uma estrela anã branca, mas o que as fazem terem uma vitalidade tão gigantesca? Apesar de seu tamanho pequeno, tais estrelas são até 40 vezes mais quentes do que o Sol. Isso deve-se por conta de a maior parte do calor da estrela ser confinado no interior desta, diferentemente de estrelas ativas (como o Sol nos dias atuais), as quais expelem calor na forma de radiação de forma violenta por intermédio das reações de fusão nuclear. Como as anãs brancas não possuem atividade nuclear, a transferência de calor é muito pequena, o que significa que elas podem brilhar mais por mais tempo do que qualquer outra estrela irradiante. Quando o universo atingir o final de sua “terceira idade” (daqui muitos trilhões de anos), as últimas iluminarias cósmicas (anãs brancas) já terão expelido todo o seu calor, tornando-se anãs negras (núcleos extremamente frios e não radiantes). Veja a foto 3; nela mostramos a evolução de uma anã branca (white dwarf) em um diagrama HR. No fim, o universo será senão um mar de buracos negros e anãs negras. Novamente reforçamos: não se preocupe! Na escala de tempo mencionada, o universo ainda é um bebê recém-nascido. Uma curiosidade interessante trazida pela longevidade das anãs brancas é que elas são um dos principais métodos para a datação de aglomerados estelares. Isso porque a presença de anãs brancas implica em estrelas velhas. Ao encontrar a anã branca mais fria do aglomerado estaremos consequentemente encontrando a estrela mais velha do aglomerado (veja novamente o diagrama da foto 3).

Foto 3
Sabemos como as anãs brancas se “ascendem” e se “apagam”, mas como elas conseguem se sustentar uma vez que não há a pressão termonuclear para contrapor o colapso gravitacional? A resposta encontra-se em um princípio da mecânica quântica denominado “Princípio da exclusão de Pauli”. Essa lei quântica rege que um sistema quântico não pode ter dois férmions (a exemplo de elétrons) em uma mesma configuração energética. A extrema densidade das anãs brancas faz com que os elétrons dos átomos presentes na estrela sejam forçados a configurações energéticas equivalentes mas, devido o princípio da exclusão, uma pressão inédita surge para impor uma resistência contra a adesão à estados equivalentes. Essa pressão é chamada pressão de degenerescência. Um fator curioso é que um aumento na massa da anã branca traria uma diminuição no tamanho desta, não um aumento, dado que a implosão gravitacional seria reforçada.
Outra característica especial das anãs brancas ocorre na ocasião de sistemas binários, isto é, sistemas estelares compostos por duas estrelas. Estrelas em sistemas binários possuem uma região chamada Lóbulo de Roche, a qual marca o regime de influência gravitacional da estrela (veja a foto 4). Consideremos um sistema composto por uma estrela anã amarela (mesma classificação do Sol) e uma anã branca. Quando a anã amarela se tornar uma gigante vermelha, ela irá expandir de modo a ultrapassar seu Lóbulo de Roche (veja a foto 5). Quando isso acontecer, parte da gigante vermelha entrará no regime gravitacional da anã branca, uma vez que o potencial gravitacional da anã branca se torna maior do que a da própria gigante vermelha (veja foto 5). Desse modo, a gigante vermelha começa a ter suas camadas externas sugadas, passando por um dos chamados pontos de Lagrange e funilando para a anã branca. Veja a foto 6 para a representação artística desse processo. A matéria recém adquirida pela estrela anã branca assenta-se em um disco chamado disco de acreção o qual, ao longo do tempo, vai alimentando a anã branca, aumentando a massa desta. Contudo, há um limite de massa para as anãs brancas, uma vez que a pressão de degenerescência passa a ser insuficiente para sustentar o colapso gravitacional. A massa máxima possível é em torno de 1.4 massas solares, sendo denominada massa de Chandrasekhar (quando esse limite é ultrapassado, a anã branca pode se converter em objetos ainda mais densos, a exemplo de uma estrela de nêutrons ou um buraco negro). Por fim, a anã branca aquece os elementos leves vindos pela acreção da estrela vizinha, de modo que o processo de fusão nuclear é iniciado no próprio disco de acreção. O resultado dessa súbita liberação de energia é uma grande explosão denominada “Nova” (veja a foto 7)
OBS: não confunda Nova com supernova!

Foto 4

Foto 5

Foto 6

Foto 7
Quando as luzes do universo começarem a se apagar, isto é, as estrelas deixarem de brilhar, as anãs brancas serão a esperança definitiva para a vida no universo, servindo como fonte de calor e energia para possíveis civilizações extraterrestres até que a última luz se apague. Mas fique tranquilo. Nosso universo é jovem e extremamente ativo, e sua mortalidade pode nos lembrar de fazer valer a nossa breve contribuição cósmica.
Foto 1: Capa
Foto 2: Nebulosa Hélix
Foto 3: Diagrama HR (cortesia do professor S. George Djorgovski, no curso “The Evolving Universe”)
Foto 4: Lóbulo de Roche (cortesia do professor S. George Djorgovski, no curso “The Evolving Universe”)
Foto 5: Potencial gravitacional e o Lóbulo de Roche
Foto 6: Concepção artística de uma anã branca adquirindo seu disco de acreção
Foto 7: Nova
Material de referência:
The Evolving Universe (professor S. George Djorgovski)
Origem (Neil deGrasse Tyson)
Morte no Buraco Negro (Neil deGrasse Tyson)
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