Semicondutores
- Pedro
- 24 de ago. de 2020
- 8 min de leitura
Atualizado: 31 de ago. de 2020
Os semicondutores são materiais elementares para a produção de muitos dispositivos os quais não viveríamos sem atualmente. Sem eles não teríamos tecnologias como celulares, computadores, placas solares ou qualquer aparelho eletrônico no geral. Mas como podemos entender de fato o que são semicondutores? Em relação à condução de corrente elétrica, materiais são classificados como condutores, isolantes e semicondutores; a diferença está no quão eficiente esses materiais conduzem corrente elétrica, sendo que os condutores são os mais eficientes, os isolantes os menos eficientes e os semicondutores estão no “meio” (por isso o prefixo “semi”). O germânio e o silício são os elementos com propriedades de semicondutores mais utilizados.
Agora descreveremos qual é a ciência por trás de como os semicondutores conseguem conduzir eletricidade. Todavia, para tal, é de bom tom nos familiarizarmos com certos conceitos:
O que é um cristal? Um cristal é uma estrutura a qual, na escala atômica-molecular, apresenta uma estrutura periódica, isto é, os átomos estão arranjados/dispostos de modo a formarem um padrão uniforme que se repete ao longo da rede cristalina, conforme mostra a foto 1 para um diamante.

O que é unidade celular de um cristal? Uma unidade celular é a menor “porção/fração” que uma estrutura cristalina possa ser fragmentada. Múltiplas unidades celulares fazem com que a estrutura cristalina continue a se repetir, constituindo o cristal, conforme mostram as fotos 2 e 3.


O que é um cristal puro? Um cristal composto por um único elemento.
O que é um cristal com impureza(s)? É um cristal que tem em sua estrutura alguns elementos distintos de sua constituição base, a exemplo da presença de alguns átomos de antimônio em uma rede de átomos de silício (ver foto 4).

O que é dopagem? Dopagem é um processo controlado de introdução de algumas impurezas em uma rede cristalina, de modo que a inserção dos novos elementos (impurezas) beneficie a condutividade elétrica do material. A introdução de impurezas, por ser muito suscinta, não afeta significativamente a periodicidade da estrutura cristalina.
Os átomos em um cristal estão ligados entre si por ligações covalentes, ligações químicas nas quais os elétrons das camadas mais externas dos átomos (camadas de valência) são compartilhados de modo a propiciar a estabilidade dos átomos, conforme mostra a foto 5.

Apesar de os elétrons nas camadas de valência estarem participando das ligações covalentes, as quais são tipicamente fortes, é possível que alguns deles obtenham energia de fontes externas naturais, como ao absorverem energia luminosa ou energia térmica, quebrando suas ligações covalentes relacionadas. Caso esta energia absorvida seja suficiente para “desprender” o elétron na camada de valência, o átomo de origem é dito ter sofrido ionização, pois acabou de perder um elétron, de forma que este, agora livre, passa a ser capaz de conduzir corrente elétrica. Destaca-se o fato de que, à temperatura ambiente, a energia térmica fornecida ao material semicondutor já é suficiente para que alguns dos elétrons nas camadas de valência do material se tornem livres, garantindo a condução de corrente elétrica (mesmo que essa configuração “natural” não seja muito eficiente). Note ainda que quanto mais a temperatura é elevada mais elétrons são liberados, aumentando a condutividade elétrica do material. A característica dos materiais semicondutores de aumentarem os portadores de carga (elétrons livres) ao serem aquecidos difere-se do comportamento de materiais classificados como condutores, uma vez que os condutores tendem a ter o valor de resistividade aumentado e, por consequência, o de condutividade diminuído, já que estas quantias são inversamente proporcionais conforme: ρ=1/σ, sendo ρ a resistividade e σ a condutividade do material.
No estudo de semicondutores ferramentas como diagramas e são extremamente úteis para a compreensão de alguns fenômenos. Por hora, nos atentaremos à diagramas, mais especificamente aos de energia. Consideremos primeiro um átomo de hidrogênio isolado. O hidrogênio possui apenas um elétron, que acaba sendo o de valência. Caso esse elétron absorva a quantia “certa” de energia, ele irá “saltar” para um nível mais energético e, depois de um tempo, retornar ao nível inicial, liberando um fóton no processo, como bem mostrado pelo modelo atômico de Bohr na foto 6.

É comum associarmos um diagrama de energia que represente os níveis que o elétron pode “transitar” dentre as camadas (níveis de energia), como mostra a foto 7.

Os níveis de energia são quantizados, isto é, os elétrons podem assumir somente níveis específicos de energia, sendo que os “gaps” (espaçamentos) entre os níveis marcam configurações energéticas que o elétron não pode assumir. Note, ainda, que na foto 7 a energia de ionização do átomo de hidrogênio é de 13.6 eV, isto é, são necessários 13.6 eV para “desprender” o elétron, no estado fundamental, do núcleo atômico, tornando o primeiro livre. De modo análogo, os elétrons de valência dos átomos constituintes da rede cristalina também são associados à diagramas de energia os quais, no contexto, são chamados de estruturas de banda.
Tanto materiais semicondutores quanto condutores e isolantes possuem diagramas de estruturas de banda, as quais associam os elétrons de valência dos átomos presentes no material. Os “gaps” nestes diagramas constituem a chamada “região proibida”, sendo que os elétrons não podem assumir os níveis de energia de tal região, dada a condição de quantização mencionada no parágrafo anterior. Há, também, a chamada “banda de valência” (níveis de energia que os elétrons de valência dos átomos podem ocupar) e a chamada “banda de condução” (níveis de energia que os elétrons livres podem ocupar). A estrutura de banda para materiais isolantes, semicondutores e condutores está representada nas fotos 8, 9, 10 e 11 com detalhes adicionais inclusos. Note, na foto 11, como o padrão da estrutura de um semicondutor encontra-se entre o de um isolante (o qual possui um gap grande, limitando o número de elétrons que podem passar para a banda de condução) e de um condutor (no qual as bandas se sobrepõem, favorecendo o número de elétrons na banda de condução).




Na foto 9 podemos observar que o espaçamento ocupado pela banda proibida é relativamente pequeno. Com uma temperatura T=0 K, nenhum átomo do material semicondutor estará ionizado, uma vez que não há energia suficiente para arrancar qualquer elétron das camadas de valência, demonstrando, nessa condição de temperatura, um comportamento de material isolante. Os materiais semicondutores que não possuem impurezas são chamados de semicondutores intrínsecos.
Uma propriedade muito interessante dos materiais semicondutores é a possibilidade de se poder diminuir os gaps de energia artificialmente, aumentando o número de elétrons na banda de condução e, por consequência, a condução de corrente elétrica é facilitada. Para atingir tal efeito, é necessário “dopar” o material com outro elemento com propriedades de semicondutor. A adição dessas novas impurezas, mesmo pouco expressivas em quantidade (cerca de um “átomo de impureza” a cada 10 milhões de átomos da rede cristalina pura) possibilita o aumento substancial de elétrons na banda de condução. Quando impurezas são adicionadas à uma rede cristalina pura, o material semicondutor passa a ser chamado de semicondutor extrínseco. Existem dois tipos de materiais semicondutores, o tipo p e o tipo n:
Materiais tipo n: são aqueles que as impurezas adicionadas são átomos que possuam 5 elétrons na camada de valência. Como cada elemento da base cristalina pura possui 4 elétrons de valência (a exemplo do silício ou germânio), estes irão realizar somente 4 ligações covalentes com cada átomos de impureza. Como é possível observar, o átomo de impureza ficará com um elétron na camada de valência sem fazer ligação, sendo que este estará, portanto, fracamente ligado ao seu respectivo átomo de origem. Este elétron “abandonado” pode ser considerado como se fosse quase “livre”, uma vez que é fácil desprende-lo de seu átomo. A foto 5 ilustra uma rede cristalina com base de silício e com impureza de antimônio, constituindo um material tipo n.
A adição de impurezas com que surjam níveis de energia “habitáveis” na banda proibida (os elétrons passam a poder ocupar certos níveis presentes na anteriormente inacessível banda proibida). Um elétron na banda proibida irá passar para a banda de condução mais facilmente, uma vez que a energia necessária para a transição, E_g, é menor. Veja a foto 12 para uma melhor compreensão do efeito da dopagem de um cristal.

Materiais tipo p: são aqueles que as impurezas adicionadas são átomos que possuem 3 elétrons na camada de valência. Nesse caso, cada átomo de impureza irá realizar 3 ligações covalentes com os átomos base da rede cristalina, resultando em um “espaço vazio” para uma quarta ligação covalente. Este “espaço vazio” ganha o nome de buraco, e é representado por um sinal positivo. Ressalta-se o fato de que, apesar da representação, o sinal positivo não indica uma carga elétrica positiva, mas sim o “espaço vazio” devido à ausência de uma quarta ligação covalente. Ademais, os buracos presentes nos átomos são facilmente ocupados por elétrons livres. A foto 14 ilustra uma rede cristalina com base de silício e impureza de boro, constituindo um material tipo p.

Destacamos que o fato de que materiais tipo n também possuem buracos, os quais surgem quando elétrons de valência se tornam livres. Todavia, em um material tipo n há a predominância de elétrons sobre os buracos (há mais elétrons do que buracos) enquanto que, em um material tipo p, há a predominância de buracos sobre os elétrons (há mais buracos do que elétrons). A união de materiais n e p resulta em um tipo semicondutor de trivial importância, o diodo (o qual será discutido posteriormente).
A presença de buracos gera uma “dinâmica” na rede cristalina. Considere a foto 13. É possível observar que, caso um elétron de valência absorva energia e se torne livre, ele pode acabar sendo “capturado” pelo buraco da impureza, “cobrindo-o”. Contudo, o átomo que acabou de perder o elétron possui agora um buraco. Podemos entender o processo como se houvesse um “fluxo de elétron-buraco” (apesar que, no processo físico, o buraco em si não foi transferido; um buraco foi “preenchido” em um lugar e outro buraco “apareceu” em outro lugar).

Para assegurar que a ideia central foi captada, a foto 15 ilustra, resumidamente, o processo mais “físico” do processo de transição de bandas.

O gráfico da estrutura de banda, algumas vezes chamado de zona de Brillouin, mostra as bandas (de valência e de condução) de um dado cristal. Para cada valor possível (autovalor) de energia, um ponto na curva é associado, de modo que, em um contínuo (conjunto de valores), os possíveis níveis de energia passam a ser representados por linhas, como mostra a foto 16.

Na representação, a linha inferior é a banda de valência e a linha posterior é a banda de condução. Destaca-se o fato de que o gráfico apresentado se repete a cada intervalo por conta da estrutura periódica do cristal. Note que a foto 16 mostra a situação unidimensional; análises tridimensionais possuem uma complexidade maior, como ilustrado para o silício na foto 17.

O entendimento do funcionamento de materiais semicondutores é empregado também no estudo de fenômenos envolvendo termoluminescência, nos quais um dado material emite radiação pela transição dos elétrons entre as bandas, incluindo os níveis de energia “liberados” na banda proibida.
Mas quais são as vantagens dos semicondutores? Os dispositivos semicondutores são extremamente compactos (pequenos), não requerem aquecimento (funcionam logo que o circuito é ligado), possuem uma vida útil praticamente infinita, são a prova de choque e requerem uma diferença de potencial (voltagem) relativamente baixa para funcionarem. Com tantos benefícios, os semicondutores são fundamentais para a composição de muitas tecnologias atuais, como as placas solares (as quais receberão um artigo dedicado no futuro), transistores, diodos, dentre uma infinidade de outros componentes os quais são a base para a eletrônica moderna.
Special thanks to professor David A.B. Miller for the excellent quantum mechanics (and its applications) course.
Material de referência:
Quantum Mechanics for Scientists and Engineers (David A.B. Miller)
Dispositivos eletrônicos e teoria de circuitos (Robert Boylestad e Louis Nashelsky)
Físcia para cientistas e engenheiros volume III (Paul Tipler e Gene Mosca)
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